
O Apocalipse de João
Prólogo
Morte
Mãe: Meu senhor, meu senhor divino, oh meu senhor.
Tu levaste a vida do menino e eu desatino desatina a dor.
Meu senhor, meu senhor divino,oh meu senhor.
Tu levaste a vida do menino e eu desatino desatina a dor.
Maldito mar.
Mar que levou meu menino. Mar que levou guri.
Oh santo menino, venha de volta. Não deixe a mãe nesse sertão sozinha.
Bala perdida, fudida bala dos homens, Prata de lobisomem, civis que se atiram sem piedade.
Punhal em dorso de vampiro.Morte que chega assim,quando se abre a janela pro sol.
Meu senhor, meu senhor divino, oh meu senhor.
Tu levaste a vida do menino e eu desatino desatina a dor.
O sol que tu tinhas dentro de si. A vontade arretada de ver o sol te matou menino nesse meio sertão.
Grandeza da natureza.
Grandeza da natureza.
Grandeza da natureza.
Sonho de João
Num sertão.
Cena 1
Mãe: João vem jantar! Sai desse sereno.
João: Mãe vem ver a lua... Hoje ela tá inspirada. Cheira como eu nunca vi.
Mãe: Menino corre, chega de brincadeira, o céu está todo azulado escuro, parece que vai ter chuva!
João: Já vou, deixa só eu me despedir.
Mãe: Despedir, que história é essa?
João: Despedir do dia...
Mãe: Se eu for te buscar você vai ver... venha !
João: Já tô indo.... Eu volto. Vem vindo alguém, vou indo. Já vou!
(Num grito, sai correndo).
Cena 2
Deitado na rede a mãe de João balança e cantarola uma cantiga.
João: Mãe onde é o céu?
Mãe: Se concentra pra dormir, amanhã vou te levar no médico pra ver se cura essa tua cegueira repentina.
João: Eu sou um bom filho? Mãe a senhora, a senhora me ama?
Mãe: você é tudo aquilo que eu sou de melhor. Agora dorme João, descansa menino, para de imaginar esse tal lugar aí,o céu é o que está dentro de você! Não dá pra pegar o céu. O céu o céu, lá no menino Jesus, esse céu é só azul.
João: Mãe posso te dizer uma coisa? Te contar um segredo?
Mãe: Chega João que eu também quero dormir, amanhã meu filho, vamos te levar no doutor pra tratar essa cegueira.
João: Mas mãe deixa só eu te dizer uma coisa... um segredo que não era pra contar.
Mãe: Pára de imaginar coisas... Deus abençoe você, durma com os anjos, Deus te proteja, te crie feliz, te ajude sempre, meu filho.
(sai, João fica sozinho. Ouve-se um ranger de porta. Uma sombra aparece.
É o diabo. Entra. )
Cena 3
Sonho ou pesadelo
Diabo: João seu traidor.
João: Não! Eu juro que não contei nada pra ninguém... eu ia falar pra mamãe por que ela sabe de tudo mesmo.Ela consegue ler meus pensamentos.
Diabo: Ia me trair seu pequenino Filho da puta .
João: Sabe que não gosto quando você fala comigo assim... tenho medo.
Diabo: Então você quer que eu diga o quê? Anda fazendo muitas perguntas inconvenientes. Porque você queria saber do céu?!Eu não já te disse que o céu é uma coisa...
João: Quem mora no céu!?
Diabo: Atrevido!Vem João, vamos dar um passeio.
João: Não, me deixa aqui... Hoje.Ta frio,vê, derrama água lá fora.
Diabo: Venha e não me faça perder a paciência.
João: Você não larga a minha mão!
Diabo: Não, meu menino. Vem.
Cena 4
Amigos
João:Estamos andando há muito tempo?
Diabo:Só uns pequenos passos e chegamos.
João: Já atravessamos um milênio?
Diabo: Desde que existo, lá se foram pelo menos uns 2...
João: Tô com fome! Por aqui não tem um pé de goiabeira?
Diabo: Não tem. Por aqui a gente se alimenta de desgraça. Conhece o gosto da desgraça, João?
João: Não, que gosto tem? Parece uva?
Diabo: Calma. Antes do gosto da desgraça você tem que experimentar a tentação...
A tentação é docinha... tem sabor do mel de abelha africana.A tentação tem o gene negro.Tem gosto de maçã.
João: De maçã? Igual aquela que tem perto da minha casa...? Vermelha?
Igual a da bruxa da Branca-de-neve?
Diabo: Sim, igual da bruxa da Branca-de-neve.
João: Você me dá?! Tenho muita fome. Eu só sou um menino.
Diabo: Olhe pra mim. Fecha os olhos.
(o diabo se ajoelha e beija João num selinho malicioso)
João: Nossa. Onde você descobriu isso?Você que inventou? É a coisa mais maravilhosa que eu já provei.
Diabo: E tem muito mais se você sentir fome novamente.
João: Quando eu voltar você me dá mais um pouquinho pra eu dar pra minha irmã?
Diabo: Ela vai experimentar quando for a hora, eu garanto não esquecer-me dela .
João: Ta... já chegamos?
Diabo: Sim... consegue perceber menino?
João: Por que gritam tanto?
Diabo: São os viciados em tentação....
João: Ajuda eles.
Diabo: Ajudá-los como?Estão ali porque querem.
João: Duvido.
Diabo: Duvida de mim... veja com seus próprios sentimentos.
João: Tire-os de lá... por que ficam amarrados?
Diabo: O vício, menino... não posso livrá-los das suas escolhas.
João: Então vou eu.
Diabo: É perigoso demais...
João: Então faça algo.
Diabo: O que sugere?
João: Alivia um pouco os gritos.
Diabo: Eles não merecem...
João:Não consigo escutar mais nada!
Diabo: Veja! Veja!
João: Do que você está rindo?
Diabo: Estou apenas respirando...
João: Me tira daqui...
Diabo: Agüenta um pouco mais, não queria o gosto da desgraça! A desgraça tem o gosto das escolhas.
João: Eu não sei o que é isso.
Diabo: Aprende na prática que é o melhor pra sua espécie.
João: Não larga a minha mão...
Diabo: Fica aí um pouco, eu volto logo... ninguém se atreve comigo,menino.
João: Não me deixa...
Diabo: Volto, pra te dar a mão...
Cena 5
No inferno.
O menino, Diabo,pecador.
João: Que gosto amargo! Não parece o gosto da tentação nem de longe. Esses gritos...
Estou já esquecendo do juízo.O juízo não posso perder,minha mãe me mata.
Coitados deles. Que terrível a dor daqueles homens. São iguais á mim... será esse meu destino?
De qualquer maneira preciso mudar isso. Não posso fazer parte dessa dor tão humana. Se eles escolheram,vai ver não tiveram escolhas...foram conduzidos por alguém...
Eu queria ter uma flor pra oferecer á eles. Um girassol de Van Gogh ou mesmo uma pequenina flor do príncipe pequeno do livro.
Um flor, uma flor. não vejo sinal de vida aqui...que terrível lugar será?
Uma flor, alguém tem uma flor... pode ter espinhos...eu os arranco pra não machucá-los mais.
Eu tenho um pedaço de papel no bolso... vou semeá-lo e dele vai brotar uma flor para amenizar essa paisagem que tanto faz vocês gritarem.
(Tira do bolso um pedaço de papel e num Origami faz a flor).
Vou deixá-la aqui... e o perfume dela vai acalmar vocês. Não posso ir aí é perigoso. Ele disse... e sou menino demais pra enfrentar o perigo.
Silenciaram mais... O perfume deve ter chegado á eles... Dormiram...
Breve perfume da flor. Breve delicado humano, sensível e (procura a palavra certa não encontra)... em suas escolhas caíram na rede da dor. Como são desgraçados esses humanos.
(à parte)
Já ouviram a história do 11 de setembro?
Até parece!
Isso aí foi um filme que passou há quase um milênio. Eu estava vindo pra cá ainda.
Eu tô falando da história de verdade. Não da lenda que Hollywood fez.
Uma lenda sem religião. É uma história linda.
O dia era manhã... O sol e a Lua ditavam o movimento dos instintos.Não era a época era a natureza.
Eram eles um povo primitivo demais pra aceitarem a única coisa que os diferenciavam....a razão.
A razão é como matemática. Dedilhar de pianos numa sinfonia de Bethoven (Fur Elise,cantarola).
Já ouviram Bethoven ?
Então depois eu conto pra vocês lembrarem
Esse povo, por uma tristeza da natureza, separou-se construindo um enorme mar no seu diálogo entre eles.deram um nome para a natureza. Ela não gostou de ser apelidada
A natureza é muito sabia. Daí num passe de mágicas de um sol para uma lua o povo tinha no horizonte um mar. O mar é a razão, matemática de bethoven porque é a natureza
Por essa força ficaram com medo, e uns disseram: Nazareno!
Outros exclamaram!Alguns milhares por Alá! Todos homens.
E ninguém se interessou mais pelo outro. Alá não entendia o diálogo do Tennesse Willians. Ficaram impressionados com o tamanho do mar e com medo ninguém se entendia mais.
O mar de uns era diferente do outro. Não era justo. Antes era só um e todos. O mar separou o povo, e no plural não se entendiam.
Dotados de inveja e ambição tiveram todos ao mesmo tempo, a mesma idéia, por instinto,que esse nunca morria,adormecia profundamente, sempre coletivo, pensaram...GUERRA!
Por Deus criaram naves, aeronaves, mísseis ultra-sônicos, e tecnologia... Tecnologia!!Que maravilha é a tecnologia. Com ela você pode tudo. Não tem dono. É livre. Sabem!!
Vasculhavam devagar em horas em rede a estratégia que os levariam a invasão do mar alheio.
Mandavam vírus, mandavam cocaína em troca.
Uma interminável conseqüência da guerra. Da vontade de dizerem algo entalado nos cornos pela bebida falsificada que eles também mandavam em tonéis.
Uns conquistavam mares, mas perdiam o povo. Dizimados quase todos.
Outros sacrificavam-se para não se submeter ao monstro do capitalismo.
Minha avó diz que o capitalismo era um monstro que atacava com fome e devorava tudo.
Por Alá levantavam rifles com numeração raspada, vai ver contrabandeado,vai ver ele era a tradução do tal Deus, de outros mares.Era a mesma a fé.
Urravam em turbantes, FUCK YOU,USA!
Viemos do Egito e muitas vezes nos tivemos que rezar Alá Alá Alá meu bom Alá
Essa canção me lembra o Vicente Maiolino. Ele não era um Deus. Era o teatro!
Já foi no teatro? Aquela caixa preta...é? Você viu Julieta encenada por Shakespeare?Nossa, você conheceu Shakespeare...que maravilha!! Eu conheci o Chaplin...
Daí, no dia 11 de Setembro por Alá, algum fanático teve a genial idéia de usar a criação dos homens do Nazareno contra eles mesmos. Rapitaram um avião, uma invenção de Santos Dumont, um brasileiro inventivo e vivo... Criou o pássaro de ferro da caixa preta.
Uma caixa preta que matava. Não confunde com o teatro não. Será que ele pensou nisso quando teve a genial idéia de tornar o ferro animal alado?Deve ter pensado sim. O homem é bicho. Bicho homem. Culpa da razão que os dividiu. O mar que fez o firmamento.
Tomados de razão foram de encontro ao maior ícone dos homens do Nazareno.
Caiu a conexão na hora. Perderam a bolsa de valores morais, que já andava em baixa.
Desvalorização total dos bens. Um á um, os andares desabaram todos.
Duas vezes. Foi lindo de ver a razão tomando a forma da violência, da raiva. Do ódio, que é o amor ao contrário.
Eles se amavam e não sabiam, já tinham sido um só. Não estavam conseguindo dialogar.
Acho que aquele foi o maior espetáculo da natureza já visto.
O maior Espetáculo da natureza humana.
Num é bonita essa lenda?!
Conto ela sempre pro meu cachorro, o Rambo.
Posso ficar aqui ? Não sei voltar sozinho.
(prepara-se pra dormir, chega o Diabo)
Diabo: Meu menino o que fizeste a esses homens?
Por que eles estão tão silenciosos? Que maldita expressão é essa em suas faces?
Estão rindo?
Menino: Eu nada fiz não senhor!Contei a eles somente uma história... Uma lenda sem religião lá do sertão da minha terra.
Diabo: Você contou a eles sobre a razão que é o mar?
Menino: Eu disse só o que a minha avó me dizia em noite de lua carregada de prata.
Diabo: Assim você ultrapassa os seus limites, seu moleque . Eu não posso olhar pra trás que você faz o que lhe dá na telha? Isso terá graves conseqüências!
Menino: Não, não fica bravo comigo. Eu ajoelho no milho, não como a sobremesa, faço o dever na hora que eu chego da escola.
Diabo: Nunca mais eu te trago aqui! Vamos embora.
Menino: Não... me deixa ficar com você,sua mão esquenta a minha mão.Você tem o coração na mão que nem o gigante da história do Robin Hood...eu gosto da sua companhia...Você demorou demais.Era uma história longa...você ia gostar de ver que eu aprendi direitinho .
Diabo: Vamos embora, sinto por você uma aversão, um ódio.
Menino: Me pega no colo? Estou tão cansado.
Diabo: Te pegar no colo...sempre as mesmas armas.
( O Diabo carrega ele no colo,o menino abraça forte não querendo soltar)
Não me odeia não...
Cena 6
Dia depois do inferno
(João acorda num susto)
João:Mãe,me canta aquela cantiga do pássaro?
Mãe: João o que foi que você andou sonhando?
João:Mãe...
Mãe: Toma isso guri.Bebe até o final...Cuidado não derrama.
Agora vem, que o dia começou lá fora. Abre esse sol dentro de ti.
Tome banho.
João:Deixa eu te contar o meu segredo ?
Mãe:Você não tem segredos pra mim menino.Que mania.Eu que fiz você .Tu és um pedaço de mim.Ta vendo esse umbigo aí...já esteve colado nesse(mostra a barriga).
João: E como a gente desgrudou?
Mãe: Foi o doutor que fez esse milagre.
João: Mãe, como a gente faz filho? Como filho vem no mundo?
Mãe: A gente ama. Um dia ,a gente ama alguém tão intensamente como ama a gente mesmo.Daí espera o tempo do tempo.Não dá pra saber quando.Nem se vai ser menina ou menino.Você é um menino.Eu fui uma menina.De repente a gente vira um bicho selvagem tomada de desejo e dá de nascer ao bezerrinho.Ou então a gente encontra esse amor nesse sertão, um pouquinho depois que é pra você criar força maior do seu próprio ser.
Miudinho você nasceu. Eu não sei quando desandou a tagarelar desse modo. Tá virando rapaz já...e a gente se encontrou por aí...faz tão pouco tempo.
Cena 7
Aniversário
João: Vai pegar Rambo.
Diabo: Menino João...
João: Você... pensei que tivesse ido embora pra sempre.
Diabo: As mães sabem mesmo dos seus filhos. Como achou que não viesse mais te ver?
João: Pensei que tivesse com raiva, sei lá... quantas vezes eu quis que você me desse a mão pra gente dar um passeio pelo tempo, e você nem apareceu pra me dizer boa noite.
Diabo: Hoje é dia do seu nascimento, rebento. João no dia que você nasceu... Um ser alado veio ao som de violinos do alto pra anunciar que ia chegar um menino. Um menino que ia ser dotado de uma cegueira. Uma cegueira sem explicação. Uma cegueira que transformava tudo o que ele via em sutis melodias eruditas... música do universo.Toda a criação da força da natureza seria maior que toda a força que eu pude me fazer forte.
Você era aclamado. A natureza estava linda. Vestida com as roupas e as armas de Jorge de Capadócia não tinha mais medo de enfrentar a tentação, a desgraça e o ódio.
Natureza sábia e muralha. Quando você disse sua primeira palavra, essa cegueira te veio aos olhos. Confesso, fui eu.
João: Você.
Diabo: Por inveja da sua vida de rei.
João: Fala da vida.
Diabo: O que quer que eu diga? Hoje você ta se esquecendo menino, perdeu os sentidos e ganhou a ignorância. Agora você tem que escolher.
João: Eu não sou mais menino?
Diabo: Você é um garoto agora. Já sabe ler, tem direito ao voto, trabalha mais de oito horas vive pelo hábito. A sua vida agora é sua...eu não posso mais influenciar você em nada.
Tudo o que vivemos não existiu de fato. Tudo agora torna-se um sonho.Vou voltar pro meu inferno.
João: E eu fico cego pra sempre?
Diabo: Não me odeie por isso,você vai ver que é melhor não enxergar o mundo.
João: Me deixa ver uma vez só? Um piscar de olho, um segundo do trânsito.
Diabo: Qual será a estratégia dessa vez!
João: Pelo amor de Deus!
Diabo: Assim você me fere. Até isso aprendeu sem mim? Me traiu como um Judas mesmo.
Veja então num piscar a conseqüência do teu reinado.
(Diabo vai até o cangote do menino, respira algo muito demorado, e o sopro faz o menino abrir os olhos.)
João: Então você não é o que dizia.
Diabo: Tentei ser como a sua mãe.
João: Minha mãe não mentiria pra mim.
Diabo: Você é meu também.
João: Sou.
Diabo: Quis te mostrar o melhor de mim, você inverteu tudo. Agora que pode ver saiba que eu não menti jamais. Você que não viu o tempo.
João: Você parou o tempo.
Diabo: Fiz por que você era um menino meu.
João: Não te sirvo mais? Nossa amizade não valeu de nada? Tudo o que vivemos...
Diabo:Você está num sonho e já amanhece o dia...me dá um abraço sincero? Pra eu poder deixar a minha paz aqui. Volto pro inferno agora e não volto nesse sertão.
João: Volta então.
Diabo: Eu sabia. Tornou-se um deles. Por Deus ou por Alá? Nem precisa me dizer...
A gente ainda se vê eu tenho certeza agora. Só a saudade vai importar até lá.
Capítulo segundo
Rodoviária
Por favor, esse bilhete aqui ta dizendo alguma coisa que eu não posso ver. Não sei ler.
Vim até aqui por que disseram que a curva da minha vida desembocava nessa estação...
Vim a pé.
Rodoviário: Aqui diz que a senhora não é ninguém. Vou encaminhá-la. Junte-se ali....atrás daquela outra.Naquela fila.
Mãe: Sim Senhor. (Segue. No palco um ator de costas, ela vai até ele). O que fazem essas pessoas aqui?
Ator: Deixa ver teu número? Você é um ninguém... vai demorar um pouco mais
Mãe: Acabei de chegar.
Ator: De onde é?
Mãe: De um sertão que virou pedra... E os homens de lá eram de pedra e de bosta.
Ator: É mesmo?
Rodoviário: Próximo.
Mãe: Que sol é esse? Está acinzentado por demais.
Ator: Em que mundo você vivia? Onde estava quando a camada de ozônio se desfez numa tempestade ácida?
Mãe: Você é de pedra e de bosta.
Ator: E aqui você é o quê?
Rodoviário: Próximo.
Ator: Pode passar na minha frente.
Mãe: Obrigado pela gentileza.
Rodoviário: Segurança, essa estava mãe querendo invadir a fila. Leva pro Delega.
Cena 2
Delegacia.
Delega: Minha senhora a senhora não sabe que nessa sociedade não se comete esse tipo de crime?
Mãe: Ele só quis ser gentil.
Delega: Vai continuar dizendo que os elementos que encontramos na sua bolsa não foi a senhora mesma que os colocou ali. Pois bem, então o que temos de fazer é mesmo internar a senhora.
Escreva aí:
A senhora que não era ninguém, de um sertão qualquer foi condenada por furto, prostituição, dívidas com a receita e por ter furado a fila para recebimento da aposentadoria.
Ela diz que sentia muita fome e que tinha uma lista interminável de remédios e protocoles homeopáticos para ingerir.
Foi encontrada uma lata de leite em pó, um pacote de um quilo de farinha colombiana, documentos confidenciais baixados na internet do governo federal, DVDs piratas, contas no Caribe.
A senhora foi condenada em instancia única com parecer do ministro e do juiz.
Por tempo indefinido irá servir ao homem de pedra e de bosta.
Para saber como evoluímos desde que o mar separou os homens.
Levem. Deixem ela em praça pública para ser cuspida e urinada.
Cena 3:
Mendiga
Uma esmola.
Uma esmola...
Eita mas esse sol queima a pele da gente. Vai transformando a gente em couro.
Senhor por favor, me escuta.
Caos: Então é você a desconhecida que acabou nesse lugar e está criando confusões?
Mãe: Não senhor, eu estou só querendo saber onde eu posso me ajeitar aqui.
De repente tudo mudou Meu lar virou outra coisa. foi tomado pelo mar.
Queria só uma ajuda sincera e honesta senhor, eu não como há tempos e perdi meu menino na guerra entre polícia e traficante.
Uma tristeza só sou eu inteira por causa do meu menino, o senhor deve imaginar.
Aquilo que dizia no jornal não era verdade,não.
Caos: Deixe me ver teus dentes?!
Bom,dentes todos.Tira a roupa?
Mãe: Meu senhor eu gosta...
Caos: Tire a roupa. Como poderei ajudar-te se tens algum defeito na genitália.?
Boa estatura. Cabelos... Unhas...Venha comigo ...
Mãe: Mas o senhor quem é? Como pode dizer isso á mim?
Caos: Você aqui não é ninguém, deixe me ver o seu código de barras. Produto falsificado!
Mãe: O amor que eu sinto pelo meu menino anda dizendo que é pra num ir, que entrar nessa onda é errado demais.
Caos: Sou eu quem determina agora o ritmo de tudo inclusive o seu amor por esse menino morto.
Mãe: Não! Menino vive aqui... dentro desse peito...desse seio que tem fome.
Caos: Eu te dou de comer. O estômago fala muito mais alto que o delicado coração, não é!
Mãe: Vou, mas não cometa nada comigo.
Caos: Estarei do seu lado
Cena 4:
Puta
Caos: Não te disse que você servia?!
Mãe: Ele me violentou e usou uns aparelhos médicos em mim... Me anestesiou sem eu perceber...sangra.
Caos: Você abusou do álcool. Deve estar delirando...
Mãe: Olha! Eu não queria... Por que me transformou?
Caos: Parte da vida dos que não tem escolhas... ESTÁ IMERSA EM MIM. Prazer, Caos.
Mãe: Eu escolho ser feliz...
Caos: Então comece a achar felicidade nisso que está sentindo. Nessa mistura de dor e arrependimento... de raiva do mundo.
Mãe: Raiva do mundo não. Raiva dos homens. Do povo dotado da razão.
Caos: que seja... eu permeio seus desejos,distorço os seus valores, gente como você me serve pra estimular a brutalidade do povo dotado da razão como você diz.
Mãe: São homens de bosta e de pedra.
Caos: Vejo que passou a dor.
Mãe: Parou de sangrar
Caos: Isso é bom, dê-me cá?! Só isso? Assim aqui você não fica mais. Sabe que o negócio é 20% seu. Cadê o resto?
Mãe: É tudo o que tenho...
Caos: Pois hoje também não come.
Mãe: Hoje eu fujo.
Cena 5
Fuga!
Exausta de correr.
Chega... estou bastante longe já...
Água... preciso de água...
Menino?Meu menino?É você mesmo.
João: Mãe!
Mãe: João, meu menino.
João: Quanta cicatriz.
Mãe: Me bateram na cara.
João: Eles não têm perdão. Abusaram de mim também.
Mãe: Oh meu filho, abusaram de você?
João: Eu fugi depois que eles dormiram.
Mãe: Perdoa sua mãe.
João: Mãe é claro.
Mãe: Aquele sertão levou o meu caráter.
João: Mãe eu sei o que é ter fome. Sei da tua dor.
Todos eles sentem, fingem que não.
Mãe: Eu abandonei você na seca.
João: As hienas me curaram a cegueira.
Sobrevivi a maldade da prata disparada.
Mãe: Veio me salvar.
João: Não mãe...
Mãe:...
João: Vim avisar à senhora que sua hora de escolher chegou.
Mãe: Você já fez a sua escolha?
João: Esse segredo eu não posso te contar mais.
Capítulo terceiro
Inferno
João: Mãe.
Mãe: João.
Mãe: João meu menino.
João: Não. Seu menino não mais.
Mãe: Sempre meu menino. Lembra ainda da nossa brincadeira?
O dia mais belo?
João: HOJE.Mãe: A coisa mais fácil?
João: ERRAR.Mãe: O maior obstáculo?
João: O MEDO.Mãe: O maior erro?
João: O ABANDONO.Mãe: A raiz de todos os males?
João: O EGOÍSMOMãe: A primeira necessidade?
João: COMUNICAR-SE.Mãe: O maior mistério?
João: A MORTE.Mãe: A pessoa mais perigosa?
João: A MENTIROSA.Mãe: O sentimento mais ruim?
João: O RANCOR.Mãe: O mais imprescindível?
João: O LAR.Mãe: A sensação mais agradável?
João: A PAZ INTERIOR. Mãe: A proteção afetiva?
João: O SORRISO.Mãe: O melhor remédio?
João: O OTIMISMO.Mãe: A maior satisfação?
João: O DEVER CUMPRIDO.Mãe: A força mais potente do mundo?
João: A FÉ.Mãe: A mais bela de todas as coisas?
João: O AMOR.
(SOM DO CAOS E BETHOVEN SE CONFUNDINDO)
FIM.
Prólogo
Morte
Mãe: Meu senhor, meu senhor divino, oh meu senhor.
Tu levaste a vida do menino e eu desatino desatina a dor.
Meu senhor, meu senhor divino,oh meu senhor.
Tu levaste a vida do menino e eu desatino desatina a dor.
Maldito mar.
Mar que levou meu menino. Mar que levou guri.
Oh santo menino, venha de volta. Não deixe a mãe nesse sertão sozinha.
Bala perdida, fudida bala dos homens, Prata de lobisomem, civis que se atiram sem piedade.
Punhal em dorso de vampiro.Morte que chega assim,quando se abre a janela pro sol.
Meu senhor, meu senhor divino, oh meu senhor.
Tu levaste a vida do menino e eu desatino desatina a dor.
O sol que tu tinhas dentro de si. A vontade arretada de ver o sol te matou menino nesse meio sertão.
Grandeza da natureza.
Grandeza da natureza.
Grandeza da natureza.
Sonho de João
Num sertão.
Cena 1
Mãe: João vem jantar! Sai desse sereno.
João: Mãe vem ver a lua... Hoje ela tá inspirada. Cheira como eu nunca vi.
Mãe: Menino corre, chega de brincadeira, o céu está todo azulado escuro, parece que vai ter chuva!
João: Já vou, deixa só eu me despedir.
Mãe: Despedir, que história é essa?
João: Despedir do dia...
Mãe: Se eu for te buscar você vai ver... venha !
João: Já tô indo.... Eu volto. Vem vindo alguém, vou indo. Já vou!
(Num grito, sai correndo).
Cena 2
Deitado na rede a mãe de João balança e cantarola uma cantiga.
João: Mãe onde é o céu?
Mãe: Se concentra pra dormir, amanhã vou te levar no médico pra ver se cura essa tua cegueira repentina.
João: Eu sou um bom filho? Mãe a senhora, a senhora me ama?
Mãe: você é tudo aquilo que eu sou de melhor. Agora dorme João, descansa menino, para de imaginar esse tal lugar aí,o céu é o que está dentro de você! Não dá pra pegar o céu. O céu o céu, lá no menino Jesus, esse céu é só azul.
João: Mãe posso te dizer uma coisa? Te contar um segredo?
Mãe: Chega João que eu também quero dormir, amanhã meu filho, vamos te levar no doutor pra tratar essa cegueira.
João: Mas mãe deixa só eu te dizer uma coisa... um segredo que não era pra contar.
Mãe: Pára de imaginar coisas... Deus abençoe você, durma com os anjos, Deus te proteja, te crie feliz, te ajude sempre, meu filho.
(sai, João fica sozinho. Ouve-se um ranger de porta. Uma sombra aparece.
É o diabo. Entra. )
Cena 3
Sonho ou pesadelo
Diabo: João seu traidor.
João: Não! Eu juro que não contei nada pra ninguém... eu ia falar pra mamãe por que ela sabe de tudo mesmo.Ela consegue ler meus pensamentos.
Diabo: Ia me trair seu pequenino Filho da puta .
João: Sabe que não gosto quando você fala comigo assim... tenho medo.
Diabo: Então você quer que eu diga o quê? Anda fazendo muitas perguntas inconvenientes. Porque você queria saber do céu?!Eu não já te disse que o céu é uma coisa...
João: Quem mora no céu!?
Diabo: Atrevido!Vem João, vamos dar um passeio.
João: Não, me deixa aqui... Hoje.Ta frio,vê, derrama água lá fora.
Diabo: Venha e não me faça perder a paciência.
João: Você não larga a minha mão!
Diabo: Não, meu menino. Vem.
Cena 4
Amigos
João:Estamos andando há muito tempo?
Diabo:Só uns pequenos passos e chegamos.
João: Já atravessamos um milênio?
Diabo: Desde que existo, lá se foram pelo menos uns 2...
João: Tô com fome! Por aqui não tem um pé de goiabeira?
Diabo: Não tem. Por aqui a gente se alimenta de desgraça. Conhece o gosto da desgraça, João?
João: Não, que gosto tem? Parece uva?
Diabo: Calma. Antes do gosto da desgraça você tem que experimentar a tentação...
A tentação é docinha... tem sabor do mel de abelha africana.A tentação tem o gene negro.Tem gosto de maçã.
João: De maçã? Igual aquela que tem perto da minha casa...? Vermelha?
Igual a da bruxa da Branca-de-neve?
Diabo: Sim, igual da bruxa da Branca-de-neve.
João: Você me dá?! Tenho muita fome. Eu só sou um menino.
Diabo: Olhe pra mim. Fecha os olhos.
(o diabo se ajoelha e beija João num selinho malicioso)
João: Nossa. Onde você descobriu isso?Você que inventou? É a coisa mais maravilhosa que eu já provei.
Diabo: E tem muito mais se você sentir fome novamente.
João: Quando eu voltar você me dá mais um pouquinho pra eu dar pra minha irmã?
Diabo: Ela vai experimentar quando for a hora, eu garanto não esquecer-me dela .
João: Ta... já chegamos?
Diabo: Sim... consegue perceber menino?
João: Por que gritam tanto?
Diabo: São os viciados em tentação....
João: Ajuda eles.
Diabo: Ajudá-los como?Estão ali porque querem.
João: Duvido.
Diabo: Duvida de mim... veja com seus próprios sentimentos.
João: Tire-os de lá... por que ficam amarrados?
Diabo: O vício, menino... não posso livrá-los das suas escolhas.
João: Então vou eu.
Diabo: É perigoso demais...
João: Então faça algo.
Diabo: O que sugere?
João: Alivia um pouco os gritos.
Diabo: Eles não merecem...
João:Não consigo escutar mais nada!
Diabo: Veja! Veja!
João: Do que você está rindo?
Diabo: Estou apenas respirando...
João: Me tira daqui...
Diabo: Agüenta um pouco mais, não queria o gosto da desgraça! A desgraça tem o gosto das escolhas.
João: Eu não sei o que é isso.
Diabo: Aprende na prática que é o melhor pra sua espécie.
João: Não larga a minha mão...
Diabo: Fica aí um pouco, eu volto logo... ninguém se atreve comigo,menino.
João: Não me deixa...
Diabo: Volto, pra te dar a mão...
Cena 5
No inferno.
O menino, Diabo,pecador.
João: Que gosto amargo! Não parece o gosto da tentação nem de longe. Esses gritos...
Estou já esquecendo do juízo.O juízo não posso perder,minha mãe me mata.
Coitados deles. Que terrível a dor daqueles homens. São iguais á mim... será esse meu destino?
De qualquer maneira preciso mudar isso. Não posso fazer parte dessa dor tão humana. Se eles escolheram,vai ver não tiveram escolhas...foram conduzidos por alguém...
Eu queria ter uma flor pra oferecer á eles. Um girassol de Van Gogh ou mesmo uma pequenina flor do príncipe pequeno do livro.
Um flor, uma flor. não vejo sinal de vida aqui...que terrível lugar será?
Uma flor, alguém tem uma flor... pode ter espinhos...eu os arranco pra não machucá-los mais.
Eu tenho um pedaço de papel no bolso... vou semeá-lo e dele vai brotar uma flor para amenizar essa paisagem que tanto faz vocês gritarem.
(Tira do bolso um pedaço de papel e num Origami faz a flor).
Vou deixá-la aqui... e o perfume dela vai acalmar vocês. Não posso ir aí é perigoso. Ele disse... e sou menino demais pra enfrentar o perigo.
Silenciaram mais... O perfume deve ter chegado á eles... Dormiram...
Breve perfume da flor. Breve delicado humano, sensível e (procura a palavra certa não encontra)... em suas escolhas caíram na rede da dor. Como são desgraçados esses humanos.
(à parte)
Já ouviram a história do 11 de setembro?
Até parece!
Isso aí foi um filme que passou há quase um milênio. Eu estava vindo pra cá ainda.
Eu tô falando da história de verdade. Não da lenda que Hollywood fez.
Uma lenda sem religião. É uma história linda.
O dia era manhã... O sol e a Lua ditavam o movimento dos instintos.Não era a época era a natureza.
Eram eles um povo primitivo demais pra aceitarem a única coisa que os diferenciavam....a razão.
A razão é como matemática. Dedilhar de pianos numa sinfonia de Bethoven (Fur Elise,cantarola).
Já ouviram Bethoven ?
Então depois eu conto pra vocês lembrarem
Esse povo, por uma tristeza da natureza, separou-se construindo um enorme mar no seu diálogo entre eles.deram um nome para a natureza. Ela não gostou de ser apelidada
A natureza é muito sabia. Daí num passe de mágicas de um sol para uma lua o povo tinha no horizonte um mar. O mar é a razão, matemática de bethoven porque é a natureza
Por essa força ficaram com medo, e uns disseram: Nazareno!
Outros exclamaram!Alguns milhares por Alá! Todos homens.
E ninguém se interessou mais pelo outro. Alá não entendia o diálogo do Tennesse Willians. Ficaram impressionados com o tamanho do mar e com medo ninguém se entendia mais.
O mar de uns era diferente do outro. Não era justo. Antes era só um e todos. O mar separou o povo, e no plural não se entendiam.
Dotados de inveja e ambição tiveram todos ao mesmo tempo, a mesma idéia, por instinto,que esse nunca morria,adormecia profundamente, sempre coletivo, pensaram...GUERRA!
Por Deus criaram naves, aeronaves, mísseis ultra-sônicos, e tecnologia... Tecnologia!!Que maravilha é a tecnologia. Com ela você pode tudo. Não tem dono. É livre. Sabem!!
Vasculhavam devagar em horas em rede a estratégia que os levariam a invasão do mar alheio.
Mandavam vírus, mandavam cocaína em troca.
Uma interminável conseqüência da guerra. Da vontade de dizerem algo entalado nos cornos pela bebida falsificada que eles também mandavam em tonéis.
Uns conquistavam mares, mas perdiam o povo. Dizimados quase todos.
Outros sacrificavam-se para não se submeter ao monstro do capitalismo.
Minha avó diz que o capitalismo era um monstro que atacava com fome e devorava tudo.
Por Alá levantavam rifles com numeração raspada, vai ver contrabandeado,vai ver ele era a tradução do tal Deus, de outros mares.Era a mesma a fé.
Urravam em turbantes, FUCK YOU,USA!
Viemos do Egito e muitas vezes nos tivemos que rezar Alá Alá Alá meu bom Alá
Essa canção me lembra o Vicente Maiolino. Ele não era um Deus. Era o teatro!
Já foi no teatro? Aquela caixa preta...é? Você viu Julieta encenada por Shakespeare?Nossa, você conheceu Shakespeare...que maravilha!! Eu conheci o Chaplin...
Daí, no dia 11 de Setembro por Alá, algum fanático teve a genial idéia de usar a criação dos homens do Nazareno contra eles mesmos. Rapitaram um avião, uma invenção de Santos Dumont, um brasileiro inventivo e vivo... Criou o pássaro de ferro da caixa preta.
Uma caixa preta que matava. Não confunde com o teatro não. Será que ele pensou nisso quando teve a genial idéia de tornar o ferro animal alado?Deve ter pensado sim. O homem é bicho. Bicho homem. Culpa da razão que os dividiu. O mar que fez o firmamento.
Tomados de razão foram de encontro ao maior ícone dos homens do Nazareno.
Caiu a conexão na hora. Perderam a bolsa de valores morais, que já andava em baixa.
Desvalorização total dos bens. Um á um, os andares desabaram todos.
Duas vezes. Foi lindo de ver a razão tomando a forma da violência, da raiva. Do ódio, que é o amor ao contrário.
Eles se amavam e não sabiam, já tinham sido um só. Não estavam conseguindo dialogar.
Acho que aquele foi o maior espetáculo da natureza já visto.
O maior Espetáculo da natureza humana.
Num é bonita essa lenda?!
Conto ela sempre pro meu cachorro, o Rambo.
Posso ficar aqui ? Não sei voltar sozinho.
(prepara-se pra dormir, chega o Diabo)
Diabo: Meu menino o que fizeste a esses homens?
Por que eles estão tão silenciosos? Que maldita expressão é essa em suas faces?
Estão rindo?
Menino: Eu nada fiz não senhor!Contei a eles somente uma história... Uma lenda sem religião lá do sertão da minha terra.
Diabo: Você contou a eles sobre a razão que é o mar?
Menino: Eu disse só o que a minha avó me dizia em noite de lua carregada de prata.
Diabo: Assim você ultrapassa os seus limites, seu moleque . Eu não posso olhar pra trás que você faz o que lhe dá na telha? Isso terá graves conseqüências!
Menino: Não, não fica bravo comigo. Eu ajoelho no milho, não como a sobremesa, faço o dever na hora que eu chego da escola.
Diabo: Nunca mais eu te trago aqui! Vamos embora.
Menino: Não... me deixa ficar com você,sua mão esquenta a minha mão.Você tem o coração na mão que nem o gigante da história do Robin Hood...eu gosto da sua companhia...Você demorou demais.Era uma história longa...você ia gostar de ver que eu aprendi direitinho .
Diabo: Vamos embora, sinto por você uma aversão, um ódio.
Menino: Me pega no colo? Estou tão cansado.
Diabo: Te pegar no colo...sempre as mesmas armas.
( O Diabo carrega ele no colo,o menino abraça forte não querendo soltar)
Não me odeia não...
Cena 6
Dia depois do inferno
(João acorda num susto)
João:Mãe,me canta aquela cantiga do pássaro?
Mãe: João o que foi que você andou sonhando?
João:Mãe...
Mãe: Toma isso guri.Bebe até o final...Cuidado não derrama.
Agora vem, que o dia começou lá fora. Abre esse sol dentro de ti.
Tome banho.
João:Deixa eu te contar o meu segredo ?
Mãe:Você não tem segredos pra mim menino.Que mania.Eu que fiz você .Tu és um pedaço de mim.Ta vendo esse umbigo aí...já esteve colado nesse(mostra a barriga).
João: E como a gente desgrudou?
Mãe: Foi o doutor que fez esse milagre.
João: Mãe, como a gente faz filho? Como filho vem no mundo?
Mãe: A gente ama. Um dia ,a gente ama alguém tão intensamente como ama a gente mesmo.Daí espera o tempo do tempo.Não dá pra saber quando.Nem se vai ser menina ou menino.Você é um menino.Eu fui uma menina.De repente a gente vira um bicho selvagem tomada de desejo e dá de nascer ao bezerrinho.Ou então a gente encontra esse amor nesse sertão, um pouquinho depois que é pra você criar força maior do seu próprio ser.
Miudinho você nasceu. Eu não sei quando desandou a tagarelar desse modo. Tá virando rapaz já...e a gente se encontrou por aí...faz tão pouco tempo.
Cena 7
Aniversário
João: Vai pegar Rambo.
Diabo: Menino João...
João: Você... pensei que tivesse ido embora pra sempre.
Diabo: As mães sabem mesmo dos seus filhos. Como achou que não viesse mais te ver?
João: Pensei que tivesse com raiva, sei lá... quantas vezes eu quis que você me desse a mão pra gente dar um passeio pelo tempo, e você nem apareceu pra me dizer boa noite.
Diabo: Hoje é dia do seu nascimento, rebento. João no dia que você nasceu... Um ser alado veio ao som de violinos do alto pra anunciar que ia chegar um menino. Um menino que ia ser dotado de uma cegueira. Uma cegueira sem explicação. Uma cegueira que transformava tudo o que ele via em sutis melodias eruditas... música do universo.Toda a criação da força da natureza seria maior que toda a força que eu pude me fazer forte.
Você era aclamado. A natureza estava linda. Vestida com as roupas e as armas de Jorge de Capadócia não tinha mais medo de enfrentar a tentação, a desgraça e o ódio.
Natureza sábia e muralha. Quando você disse sua primeira palavra, essa cegueira te veio aos olhos. Confesso, fui eu.
João: Você.
Diabo: Por inveja da sua vida de rei.
João: Fala da vida.
Diabo: O que quer que eu diga? Hoje você ta se esquecendo menino, perdeu os sentidos e ganhou a ignorância. Agora você tem que escolher.
João: Eu não sou mais menino?
Diabo: Você é um garoto agora. Já sabe ler, tem direito ao voto, trabalha mais de oito horas vive pelo hábito. A sua vida agora é sua...eu não posso mais influenciar você em nada.
Tudo o que vivemos não existiu de fato. Tudo agora torna-se um sonho.Vou voltar pro meu inferno.
João: E eu fico cego pra sempre?
Diabo: Não me odeie por isso,você vai ver que é melhor não enxergar o mundo.
João: Me deixa ver uma vez só? Um piscar de olho, um segundo do trânsito.
Diabo: Qual será a estratégia dessa vez!
João: Pelo amor de Deus!
Diabo: Assim você me fere. Até isso aprendeu sem mim? Me traiu como um Judas mesmo.
Veja então num piscar a conseqüência do teu reinado.
(Diabo vai até o cangote do menino, respira algo muito demorado, e o sopro faz o menino abrir os olhos.)
João: Então você não é o que dizia.
Diabo: Tentei ser como a sua mãe.
João: Minha mãe não mentiria pra mim.
Diabo: Você é meu também.
João: Sou.
Diabo: Quis te mostrar o melhor de mim, você inverteu tudo. Agora que pode ver saiba que eu não menti jamais. Você que não viu o tempo.
João: Você parou o tempo.
Diabo: Fiz por que você era um menino meu.
João: Não te sirvo mais? Nossa amizade não valeu de nada? Tudo o que vivemos...
Diabo:Você está num sonho e já amanhece o dia...me dá um abraço sincero? Pra eu poder deixar a minha paz aqui. Volto pro inferno agora e não volto nesse sertão.
João: Volta então.
Diabo: Eu sabia. Tornou-se um deles. Por Deus ou por Alá? Nem precisa me dizer...
A gente ainda se vê eu tenho certeza agora. Só a saudade vai importar até lá.
Capítulo segundo
Rodoviária
Por favor, esse bilhete aqui ta dizendo alguma coisa que eu não posso ver. Não sei ler.
Vim até aqui por que disseram que a curva da minha vida desembocava nessa estação...
Vim a pé.
Rodoviário: Aqui diz que a senhora não é ninguém. Vou encaminhá-la. Junte-se ali....atrás daquela outra.Naquela fila.
Mãe: Sim Senhor. (Segue. No palco um ator de costas, ela vai até ele). O que fazem essas pessoas aqui?
Ator: Deixa ver teu número? Você é um ninguém... vai demorar um pouco mais
Mãe: Acabei de chegar.
Ator: De onde é?
Mãe: De um sertão que virou pedra... E os homens de lá eram de pedra e de bosta.
Ator: É mesmo?
Rodoviário: Próximo.
Mãe: Que sol é esse? Está acinzentado por demais.
Ator: Em que mundo você vivia? Onde estava quando a camada de ozônio se desfez numa tempestade ácida?
Mãe: Você é de pedra e de bosta.
Ator: E aqui você é o quê?
Rodoviário: Próximo.
Ator: Pode passar na minha frente.
Mãe: Obrigado pela gentileza.
Rodoviário: Segurança, essa estava mãe querendo invadir a fila. Leva pro Delega.
Cena 2
Delegacia.
Delega: Minha senhora a senhora não sabe que nessa sociedade não se comete esse tipo de crime?
Mãe: Ele só quis ser gentil.
Delega: Vai continuar dizendo que os elementos que encontramos na sua bolsa não foi a senhora mesma que os colocou ali. Pois bem, então o que temos de fazer é mesmo internar a senhora.
Escreva aí:
A senhora que não era ninguém, de um sertão qualquer foi condenada por furto, prostituição, dívidas com a receita e por ter furado a fila para recebimento da aposentadoria.
Ela diz que sentia muita fome e que tinha uma lista interminável de remédios e protocoles homeopáticos para ingerir.
Foi encontrada uma lata de leite em pó, um pacote de um quilo de farinha colombiana, documentos confidenciais baixados na internet do governo federal, DVDs piratas, contas no Caribe.
A senhora foi condenada em instancia única com parecer do ministro e do juiz.
Por tempo indefinido irá servir ao homem de pedra e de bosta.
Para saber como evoluímos desde que o mar separou os homens.
Levem. Deixem ela em praça pública para ser cuspida e urinada.
Cena 3:
Mendiga
Uma esmola.
Uma esmola...
Eita mas esse sol queima a pele da gente. Vai transformando a gente em couro.
Senhor por favor, me escuta.
Caos: Então é você a desconhecida que acabou nesse lugar e está criando confusões?
Mãe: Não senhor, eu estou só querendo saber onde eu posso me ajeitar aqui.
De repente tudo mudou Meu lar virou outra coisa. foi tomado pelo mar.
Queria só uma ajuda sincera e honesta senhor, eu não como há tempos e perdi meu menino na guerra entre polícia e traficante.
Uma tristeza só sou eu inteira por causa do meu menino, o senhor deve imaginar.
Aquilo que dizia no jornal não era verdade,não.
Caos: Deixe me ver teus dentes?!
Bom,dentes todos.Tira a roupa?
Mãe: Meu senhor eu gosta...
Caos: Tire a roupa. Como poderei ajudar-te se tens algum defeito na genitália.?
Boa estatura. Cabelos... Unhas...Venha comigo ...
Mãe: Mas o senhor quem é? Como pode dizer isso á mim?
Caos: Você aqui não é ninguém, deixe me ver o seu código de barras. Produto falsificado!
Mãe: O amor que eu sinto pelo meu menino anda dizendo que é pra num ir, que entrar nessa onda é errado demais.
Caos: Sou eu quem determina agora o ritmo de tudo inclusive o seu amor por esse menino morto.
Mãe: Não! Menino vive aqui... dentro desse peito...desse seio que tem fome.
Caos: Eu te dou de comer. O estômago fala muito mais alto que o delicado coração, não é!
Mãe: Vou, mas não cometa nada comigo.
Caos: Estarei do seu lado
Cena 4:
Puta
Caos: Não te disse que você servia?!
Mãe: Ele me violentou e usou uns aparelhos médicos em mim... Me anestesiou sem eu perceber...sangra.
Caos: Você abusou do álcool. Deve estar delirando...
Mãe: Olha! Eu não queria... Por que me transformou?
Caos: Parte da vida dos que não tem escolhas... ESTÁ IMERSA EM MIM. Prazer, Caos.
Mãe: Eu escolho ser feliz...
Caos: Então comece a achar felicidade nisso que está sentindo. Nessa mistura de dor e arrependimento... de raiva do mundo.
Mãe: Raiva do mundo não. Raiva dos homens. Do povo dotado da razão.
Caos: que seja... eu permeio seus desejos,distorço os seus valores, gente como você me serve pra estimular a brutalidade do povo dotado da razão como você diz.
Mãe: São homens de bosta e de pedra.
Caos: Vejo que passou a dor.
Mãe: Parou de sangrar
Caos: Isso é bom, dê-me cá?! Só isso? Assim aqui você não fica mais. Sabe que o negócio é 20% seu. Cadê o resto?
Mãe: É tudo o que tenho...
Caos: Pois hoje também não come.
Mãe: Hoje eu fujo.
Cena 5
Fuga!
Exausta de correr.
Chega... estou bastante longe já...
Água... preciso de água...
Menino?Meu menino?É você mesmo.
João: Mãe!
Mãe: João, meu menino.
João: Quanta cicatriz.
Mãe: Me bateram na cara.
João: Eles não têm perdão. Abusaram de mim também.
Mãe: Oh meu filho, abusaram de você?
João: Eu fugi depois que eles dormiram.
Mãe: Perdoa sua mãe.
João: Mãe é claro.
Mãe: Aquele sertão levou o meu caráter.
João: Mãe eu sei o que é ter fome. Sei da tua dor.
Todos eles sentem, fingem que não.
Mãe: Eu abandonei você na seca.
João: As hienas me curaram a cegueira.
Sobrevivi a maldade da prata disparada.
Mãe: Veio me salvar.
João: Não mãe...
Mãe:...
João: Vim avisar à senhora que sua hora de escolher chegou.
Mãe: Você já fez a sua escolha?
João: Esse segredo eu não posso te contar mais.
Capítulo terceiro
Inferno
João: Mãe.
Mãe: João.
Mãe: João meu menino.
João: Não. Seu menino não mais.
Mãe: Sempre meu menino. Lembra ainda da nossa brincadeira?
O dia mais belo?
João: HOJE.Mãe: A coisa mais fácil?
João: ERRAR.Mãe: O maior obstáculo?
João: O MEDO.Mãe: O maior erro?
João: O ABANDONO.Mãe: A raiz de todos os males?
João: O EGOÍSMOMãe: A primeira necessidade?
João: COMUNICAR-SE.Mãe: O maior mistério?
João: A MORTE.Mãe: A pessoa mais perigosa?
João: A MENTIROSA.Mãe: O sentimento mais ruim?
João: O RANCOR.Mãe: O mais imprescindível?
João: O LAR.Mãe: A sensação mais agradável?
João: A PAZ INTERIOR. Mãe: A proteção afetiva?
João: O SORRISO.Mãe: O melhor remédio?
João: O OTIMISMO.Mãe: A maior satisfação?
João: O DEVER CUMPRIDO.Mãe: A força mais potente do mundo?
João: A FÉ.Mãe: A mais bela de todas as coisas?
João: O AMOR.
(SOM DO CAOS E BETHOVEN SE CONFUNDINDO)
FIM.
Um comentário:
OBS:a mais bela de todas as coisas?
O[nosso]AMOR.
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