CIA Huguera&Muca de Pesquisa e
Desenvolvimento da Linguagem Cênica apresenta
Esperando Beckett ou o Chão de giz
Por Huguera Rodrigues e Muca Velasco
Personagens:
Ele
Ela
Ele- Tu és o Filho do Homem!!!*
Ela- Quem és tu?
Ele- Tu és o Filho de Deus!!! Manda-me aos Porcos!
Ela- Por que você é louco?
Ele- Eu confesso nunca tive coragem de enfrentar o mundo. Medo profundo, mundo imundo, vasto mundo... quem era o tal Raimundo?
Se eu me chamasse assim, RAIMUNDO,não seria uma solução ,seria uma rima!!
Enfrentar o mundo? Eu nem conhecia o mundo.
Ela- Medo de que então? O que você teve medo de enfrentar?
Ele-...
Ela – Ah! As pessoas ? Estão cagando e andando
Ele – Mas eu morro de medo!
Ela - De quem?
Ele - Das pessoas.
Ela- Pessoas são pessoas, são merdinhas de mosca em qualquer lugar!
Ele - Por que qualquer lugar?
Ela - (Relembrando) Porque na minha casa tinha um qualquer lugar lindo! 725 penduricalhos cada um com 828 merdinhas de mosca.
Ele - Como você sabe que eram 828 merdinhas?
Ela - (Irritada) Tenho a impressão de que ousas sugerir que pudesse ser outro número!
Ele - Mil perdões, madam, você dizia o que aconteceu com o qualquer lugar?
Ela - Ficou longe demais das mãos.
Estou exausta de esperar...
Ele - Foi exatamente isso que aconteceu comigo. Eu era só uma mísera merdinha de mosca em qualquer lugar, aí eu vi que qualquer lugar era longe demais pra mim e resolvi voltar.
Ela- Por isso você é assim...Você parece um personagem do Maurício de Souza. Quem és tu?
Ele- Sinceramente, eu não gosto que me rotulem , não sou produto pra ficar ao alcance das mãos na prateleira, eu não sei o que sou.
Juntos- Vous me trouvez joli?
Ele - Por quois?
Ela - Par ce que vous étes trés joli!
Ele - moi? Je suis joli?
Ela- plus joli que tout endroit. Beaucoup plus assez!
Ele - Beaucoup plus assez?
Ela - Beaucoup plus assez !!
Ele - Mas eu não tenho tantas merdinhas!
Ela - Quantas você tem?
Ele - Pai... mãe... irmãos... professores... vizi... não!
Vizinho não conta... assim por alto, umas vinte merdinhas.
Ela - É pouco!
Ele - Bom, então... alguns amigos... 25 merdinhas!
Ela - (Ficando zangada) É pouco! É pouco!
Ele - Então vamos contar os vizinhos... 33 mer-di-nhas!
Ela - É pouco! Está querendo me deixar maluca?! Primeiro eram 20, agora 25, 33, decida-se! Pelo amor de Deus, decida-se!
Ele –Você quer brincar?
Ela – Brincar de quê?
Ele – De Pozzo e Lucky!
Ela - Não conheço!
Ele – Eu faço Lucky e você faz Pozzo! Vá!
Ela – Vá o quê?
Ele – Xingue-me!
Ela – Canalha!
Ele – Mais forte!
Ela – Gonorrento,espiroqueta!
Ele - Mande-me pensar!
Ela - O quê?
Ele – Diga ! Pense porco!
Ela – Pense porco!
Ele – Não posso
Ela - Chega disso!
Ele- Não... Só mais uma vez.
Ofenda a minha mãe!
Ela- Filho da PUTA ... Você tem mãe?
Ele- Família ... Tenho família
Você me fez lembrar de quando eu era pequeno.
Ela - Pequeno de que tamanho?
Ele –Bem pequeno. Pequeno do tamanho de uma menina...
Ela - O que aconteceu? Pode confiar em mim... Eu invento as ciências deste lugar!!
Ele-(Ascende um cigarro e como num divã)O ar está cheio de nossos gritos! Mas o hábito é um grande amortecedor!
Ela-(Esporro de Mãe)Olha aqui! Pense p o r c o ! Preste atenção!
O hábito é o lastro que acorrenta o cão a seu vômito, respirar é um hábito. A vida é um hábito, ou melhor, uma sucessão de hábitos, já que o indivíduo é uma sucessão de indivíduos...
Ele - E para que serve isso? Para que serve isso? Vamos, responda!
Você é uma mulher culta! Inventa as ciências desse lugar! Para que serve isso?
Ela – (admitindo com humildade)Para nada! Pra nada!
Ele - Parece sem graça!
Ela - O que parece sem graça?
Ele - Estudar uma coisa que não serve para nada.
Ela - Pelo contrário, é muito engraçado!
Ele – Então me diz, qual é a graça?
Não corremos mais nenhum risco de pensar, pensar não é o pior, o que é horrível é ter pensado ! !
Ela – Você tem razão.(pausa)
Somos inesgotáveis?
...
Ele- Somos o quê?? É para não pensarmos.
Ela- Essa desculpa nós temos.
Ele- É para não ouvirmos.
Ela- Temos as nossas razões.
Ele- Todas as vozes mortas.
Ela- Fazem barulhos de asas.
Ele- Como de folhas?
Ela- De areia...
Ele- De folhas (silêncio).
Ela- Todos falam ao mesmo tempo.
Ele- Cada um para si. (silêncio)
Não sussurram, farfalham...
Ela- murmuram...
Ele- Farfalham...
Ela- O que elas dizem?
Ele- Falam da vida delas
Ela- Ter vivido não basta para elas
Ele- Ainda tem quer ficar falando
Ela- Estar morto não basta para elas...
Ele- Não é suficiente (silêncio)
Ela- Fazem barulho de penas
Ele- De folhas
Ela- De cinzas
Ele- De penas (longo silêncio)
Ela- Diz qualquer coisa!
Ele - Se eu tiver vontade, eu digo.
Ela - Para que você serve? (gadareno)
Ele - Eu não sirvo para nada.
Ela - Mas EU estou me esforçando.
Ele- Você também tem medo.
Ela - De que?
Ele – Das merdinhas de mosca.
Ela - Não. Eu tenho medo das moscas.
Ele - E quem são?
Ela –( murmúrio) Quem pode saber?
Ele – Nossa!! Deve ser horrível ter medo do que a gente nem sabe o que é.
Ela - Sim! É horrível, é horrível...
Ele - (Cada vez mais amoroso) E você tem medo de mim?
Ela - Not, I love you.
Ele - I also love you.
Ela- Knows what I wanted now?
Ele - Fumar um cigarro?
Ela – Não! Te dar um beijo!
Ele - Eu tenho um. Toma!
Ela - Você sabe o que eu sinto quando fumo?
Ele - Diga!
Ela - Eu não sinto nada. E você?
Ele –(diabólico)Sinto um mau estar na garganta, corrói meu estômago , queima meus pulmões... sinto que posso me causar um câncer....
Ela- (Professoral)Ah! O hábito!!!
O hábito, portanto,é o termo genérico para os inúmeros tratados concluídos,entre os inúmeros sujeitos que constitui o indivíduo e seus inúmeros objetos correlatos.
E Porque você ainda fuma?
Ele – Já perdi a minha cor!
Ela – Não!!! A esperança é a única cor que não desbota!Pára! Pára com isso...
Ai, ai, ai! Tenha fé, afinal não vamos morrer esperando.
Ele - Por que não?
Ela - Eu sou muito religiosa!
Ele-(cantarola baixo um som erudito,mantrâ)
Ela - (Ajoelhada) Miserere nobis.
Ele - Ora pro nobis, pane et circus, sic, data venia, mea culpa, ibid ibidem, surge et ambula, acaborum, aleluia!
Ela - Amém! Abençoe-me padre, pastor,Khrisna,Buda!
Ele - Não me confunda!
Ela -(como se rezasse) Pecado! Pecado!(silêncio)
Pedófilo!
Ele –(como repetindo) Pedófilo...!
Não,os pedófilos mentem...e mentem...
Ela - (Cortando) Qual é a mentira?
Ele - Eu contei tudo a eles.
Eles sabiam que era verdade, mas fingiam não acreditar...
Ela - O que você contou a eles?
Ele - A verdade! Só a verdade.
Ela - Que verdade?
Ele - Que Beckett não vai voltar!
Ela - Não! Não é verdade!
( Ele começa a pular em volta dela, cantando “Beckett não vai voltar”).
Ele - Ele está preso!
Ela - (Mudando de atitude) Qual foi o crime?
Ele - Homicídio com intensão de matar,tudo arquitetatdo minuciosamente, preso com a boca na botija.
Ela - Ele não pode continuar preso!
Ele - A defesa já tentou de tudo...
Ela - Tem que ter um recurso!
Ele - ...mas o juiz não aceitou...
Ela - Convocar as testemunhas!
Ele - ... e o condenaram.
Ela - Pena de morte?
Ele – (cantarolando)_Vai mofar vivo na cadeia.
Ela - Então há uma chance! (pausa)Estamos presos?
Ele- Presos?
Ela- Pre-sos!
Ele- Presos como?
Ela-Presos a ...
Ele-Mas a quem ?por quem?
Ela- Ao seu homem!
Ele- A Beckett? Presos a Beckett? Que idéia! Nem pense nisso!
Não seja louca!
Ela - Nós podemos entrar de madrugada... dominar os guardas, roubar as chaves... Você vem comigo?
Ele - Não!
Ela- Você tem que vir!
Ele – Libertá-lo não será possivel.
Ela - Você não pode dizer isso!
Ele - Você é igualzinha aos outros... Você é uma cúmplice!
Ela - Esse julgamento foi uma farsa.
Ele - O julgamento foi correto.
Ela - Ele não teve como se defender
Ele - Ele teve todas a chances.
Ela - Como você pode saber?
Ele - Eu estava lá, comemos no mesmo prato,não se lembra?
Ela - E não tentou fazer nada?!!
Ele - Eu era o juiz.
Ela - Você o condenou!
Ele - Claro!
Ele - Pára de chorar!
Ela - Eu não posso! Você me tirou a única coisa que eu tinha.
Ele -Você tem a mim.
Ela -Você mente. Pode me deixar de uma hora para outra.
Ele - Eles mentem, eu não minto. Eu nunca vou te deixar.
Ela - Jura?
Ele - Juro!
Ela - Por Deus?
Ele - Claro!
Ela - Então quero ver. Mas depressa, que a irmã pode vir.
Ele - ( erguendo a cabeça)- Juro que...
Ela - (retificando) – Juro por Deus...
Ele - Juro por Deus...
Ela ...que não me casarei nunca...
Ele - ... que não me casarei nunca...
Ela-...que serei fiel a você até a morte.Ele- ... que serei fiel a você até a morte .
Ela - E que nem namora.
Ele - E que nem namoro.
Ela - (apaixonada) Também juro por Deus que não me casarei nunca , que só amarei você , e que nenhum homem me beijará.
Ela - Se você me deixar, eu conto para todo mundo!
Ele - Conta o que?
Ela - Que você não é um personagem do Maurício de Souza.
Ele - Você não faria isso!
Ela - Conto que você MATOU Beckett!
Ele - Cale a boca! Como foi que você decobriu isso?
Ela - Não foi difícil! Qualquer um percebe que você é um pedófilo!
Ele - Cale a boca! Cale a boca e não fale mais nisso!
Ela - Por que? Você vai me bulinar?
(Levantando-se)Vamos!!(faz os gestos de quem está sendo violentada/lembrando) Papai! Não papai,porque você está tirando minha calcinha? Carinho? Como assim? Que isso papai? Que isso? Tá tirando as calças pra quê? Ai papai ,esse carinho machuca,ta doen...do... ai ai...Pa.. pai!!! Não pode contar? Pra ninguém? Nem pra mamãe? Tá repito.... filhinha é só do papai, mais ninguém,eu amo o papai! Ele é legal, só quer me dar carinho ... papai me ama... me ama... papai...
Ele - (Carinhoso) Eu amo você!
Ela - Não ama, não.
Ele - Amo, amo, você sabe que eu amo.
Ela - Por que você fez isso comigo ?
Ele - Alguém tinha que fazer.
Ela - Mas tinha que ser você? Fez serviço de preto!
Ele - (Explode) Mas fiz pronto! Está feito! O que você quer? Quer me torturar?!
Ela - Não. Pára! Para Gogo
Ele - Que foi?
Ela - Me machuquei...
Ele – Desculpa Didi! ...
Ela - Às vezes eu canso, penso em parar. Ir embora daqui...
... é necessário que continuemos.
Ele - Nem é bom pensar... Pensar não é o pior! Pior é ter pensado...
Ela- Se nós desistíssemos e todos vissem o que realmente é a loucura. Seria o caos!
Ele - Seria o caos!!!
Ela – Para!!!!!!!!!!!!!!!!!! Me dá a sua mão?
Ele - Para que?
Ela – Deixa eu ler o seu destino?
Ele - Mas você sabe que o nosso destino depende de Beckett!
Ela - Você que não quer colaborar!
Ele -O que eu sei que a gente nasce, cresce, reproduz e morre...
Ela - Então ...(vai beijar-lhe a boca)
Ele - (tímido) Eu não poderia, seria um crime.
Ela - Mas, meu amor...
Ele - Mas não quero que digam que eu fui o culpado. Tenho dito.
(Entreolham-se apaixonadamente)
Ela – (insistentemente)Me dá um beijo?
Ele - Não.
Ela - Eu não tenho mau hálito!
Ele - (Examinando-lhe os dentes) Você tem todos os dentes?
Ela - (Mal podendo falar com a boca escancarada) Tenho.
(Ele, enquanto examina, percebe que falta um dente e fica transtornado. Ela tenta explicar) Desculpe. Menos os sisos, eu extraí.
Ele - Você não devia ter feito isso.
Ela - Por que não? O “siso” é meu. Eu não tiro! Mamãe disse uma vez: Tira! Tira!
Mas Eu já tenho siso!
Você não sabe que o dente siso estraga logo?
Ele - A gente nasce e estraga logo, aí temos que ser extraídos ?
Ela - Vê se não fala besteira! Se você quer dar uma de filósofo, tudo bem, adoro filosofia, existo logo penso... Mas vê, então, se fala alguma coisa que preste.
Ele - (Zombando) Filosofia de boteco! Sua bêbada!
Ela - Não! Sou louca! O doutor que receitou!
Ele - Se eu fosse um Doutor, ia lhe dizer onde enfiar sua receita.
Ela - (Desafiando) Vamos diga!
Ele - Você sabe onde.
Ela - Eu quero ouvir, vamos diga!
(Como se vendo um médico e repetindo sem parar)
Onde enfio minha receita Doutor? Vamos diga Doutor?
Ele - Não digo.(Explodindo) No cu!
Ela - Você é um grosso.
Ele - Pare de fingir!.
Ela - Eu não quero me afogar em lágrimas.
Ele –(choramingando em zombaria )Num mar de lágrimas...Pare de fingir!!
Ela – (incisiva)Não é o mar.
Ele - E onde estão as lágrimas?
Ela - Esgotaram! Chorei tudo! Todas as lágrimas que tinha!
Ele - (Como uma criança malcriada) Por mim ... por mim você pode até morrer que eu nem ligo.
Ela - Ah! é? Pois então eu vou morrer.
Ele - Morre! Azar o seu. Já morre tarde!
Ela- Nada, nada, nada
Nada mais do que nada
Trouxeram-me camélias brancas e vermelhas
Uma linda criança sorriu-me quando eu a abraçava
Um cão rosnava na minha estrada
Abri meu abraço aos amigos de sempre
Poetas compareceram
Alguns escritores
Gente de teatro
Birutas no aeroporto
E nada ...
Ele-Você disse que eu nunca ia ficar só...
Porque você não quer falar comigo? Diga?
Você quer brincar?? Então vamos brincar de morto-vivo.
Eu começo: Vivo!Vamos ,Vivo!
Vivo!Abra os olhos, está na vez do Vivo!
Vivo!Vi...vo...,ei você partiu?!Porquê?
Como vou viver sem nosso espelho? Diga? Eu nem me ausentei tanto assim, eu te prometi que só ia ao bar comprar cigarros.
Ela - (Abrindo os olhos, bem sapeca) Está bem. Então eu não morro mais....
Ele - (Surpreso) Você não quer brincar?
Ela - Claro...reze pra mim uma missa.
Ele – Missa! Aposto que você era uma rata de igreja!
Ela - Não era, não! Falei que era religiosa só pra impressionar!
Ele - Vai ver até era uma pedófila como eles.
Ela - Você não devia falar tanta besteira!
Ele - Agora só falta você dizer que é de aquário.
Ela - Eu não vou dizer nada.
Ele - Eu sabia. Você não passa de uma pervertida.
Ele - Onde você está querendo chegar?
Ele - Eu não quero chegar a lugar nenhum.(pausa)
Conta uma história pra eu dormir!
Ela - Está bem, eu conto.Era uma vez dois homens horríveis...eles me levaram para um canto escuro... foram tirando a minha roupa... Tiraram meu sutiã... minha calcinha... um deles, afastou as minhas pernas... o outro entrou entre as minhas pernas era grande... Então eles me viraram de costas...e então eu senti... Foi horrível, eles fizeram de tudo comigo!
Ele – (Rindo) Você está inventando.
Ela - (Rindo também) Estou. Como é que você descobriu?
Ele - Eu conheço essa história. É a mesma desculpa que eu contava pra minha família quando eu não queria ir pra escola.
Ela - Você ...
Ele - (Imitando-a) Eram dois homens horríveis... eles me pegaram...
Ela -Você é ou não é de Virgem?
Ele – Não,sou de Gêmeos.
Ela -Você já amou alguém?
Ele -Eu amo você...
Ela- Não,eu to falando sexualmente.
Ele- Já sim...
Ela- Então você tem experiência.
Ele- Não muita.
Ela- Mas tem. Faz sexo comigo?
Ele- Sexo?
Ela- É,como na T.V,como é que se diz, vem tchuctchuco...vem! Eu sou sua tchuchuca,vem!
Ele – Você não faz meu tipo!
Ela- Viadinho! Todo mundo faz sexo com todo mundo! (irônica) Na T.V eles ensinam a gente a ter experiência...
Ele- Eu não vejo T.V.
Ela- Vai ver por isso você é assim...
Ele- Ouviu isso?
Ela- Não, eu vi.
Ele- Me pareceu uma bomba.
Ela- E foi. Acabou de explodir em Hiroshima.
Ele - Outra vez!
Ela- Não seja tolo,da outra vez foi só uma bombinha de nada.
Ele ....O que estamos esperando?
Ela -Beckett!
Ele -Beckett?? Beckett não é o cara da cruz….
Ela- Não. Esse é Deus! Buda! Krisna!
Ele- Beckett??
Ela- Beckett é o cara que estamos esperando.
Ele- Você está esperando alguém?
Ela - Você também!
Ele- Eu não... estou só de passagem...
Ela-....Você não cansa?
Ele – Canso.Estou exausto. Tanta agitação , Cansei de tudo. Tudo tão pobre. Sem gosto nem cor. Me diz uma coisa,quando a sua máquina registrou o meu destino ela viu algum consolo?
Ela- Sinceramente,o teu futuro é duvidoso.(pausa)
O teu pulso ainda pulsa?
Ele - O meu coração é um músculo involuntário... e ele pulsa.Mas...Beckett...
Ela- Não, esqueça Beckett esqueça que você teve com ele, liberte-se!
Ele- Não! Beckett virá! Andando sem carregar a cruz!!!
Ela- Beckett não é Deus!
Ele- Claro que não! Beckett é Beckett. Deus ... Deus é... o cara da cruz.
Ela- Acho que hoje já é amanhã. O sol saiu...
Ele- Então chegou a hora!
Ela- Que horas são?
Ele- A hora do Grande Momento.
Ela- Isso é um filme do Guarnieri.
Ele- Você foi assistir também?
Ela- Só curiosidade...
Ele –Eu li no seu manual que você já foi artista.
Ela- É(desconversando)... Artista .
Ele- O quê?
Ela- Artista! Eu rebolava na garrafa tirava a roupa em praça pública ,dançava por dinheiro, era loura ,tinha uma bunda enorme e o povo delirava. Era o expectador hipnotizado com a espetacularidade humana. Uns bárbaros atrás do bizonte!!
Ele – E aí?
Ela- Caiu !!
Ele- Como?
Ela - A minha bunda caiu ! E o povo não deu mais moeda no meu chapéu.
Ele- Você ... Não se arrepende?
Ela- De quê ?
Ele- De ter sido artista?!
Ela- Não mesmo.Foi a época mais incrível da minha vida. Eu manipulava os homens e as mulheres me invejavam.
Ele- Você podia ter dito a verdade,que a sua bunda era uma prótese moderna.
Ela- O expectador não quer verdades. Quer ser enganado e rir das desgraças alheias . Você não sabe ,mas o expectador é um tipo passivo consumidor de produtos sem ideologia ou sentimento. O expectador não tem suor debaixo do braço. O expectador paga pra não pensar...
Ele- Você está certa. O expectador ri da desgraça alheia!
Ela- A desgraça alheia é o próprio expectador! (risada)
Ele- (como em conclusão)Você está certa. O expectador ri da desgraça alheia!
Ela- A desgraça alheia é o próprio expectador! (risada)
Ele – (risada) Eu acho que vi Beckett.
Ela- Onde? Tem certeza?
Ele- Sim! Sim! É ele.
Ela- Onde?
Ele- Aqui. (aponta a cabeça)
Ela- Mas ,se você o vê aí,não é possível que eu o veja também. E nem é possível que ele apareça.
Ele- Mas é só uma lembrança.
Ela- Lembranças são aprisionamentos do coração...
Ele- Outro dia aquele pássaro que vem aqui comer os ovos das tartarugas disse que existe uma coisa que beckett criou, conversar,,,já ouviu falar?
Ela- É a nova modalidade dos homens.Não é assim que se conversa! Você tem que prestar atenção! Tá me ouvindo? Olhar nos olhos.
Você fala ,eu te escuto. Eu falo ,você escuta.
Ele- Só isso? Vamos conversar.
Ela- Eu... Tô me sentindo muito só... um vazio existencial.
Outro dia entrei no ônibus e pessoas estavam estranhas, olhavam pra mim de cima á baixo... cochichavam e mal... de mim!! Ouvi uma senhora idosa dizer “ è maluca!” Só consegui me recolher no banco e eu quis tanto chorar, mas não consegui...maldita velha. Vamos embora Beckett não vem.
Ele- Só mais cinco minutos. Lê alguma coisa.
Ela- Deixa eu ler seu destino?
Ele- Deixo.
Ela- Não, a outra mão.
Ele- E aí ? O que você vê?
Ela- Vejo...Você matou os meus sonhos. Os sonhos que eu nunca tive. Não os terei porque você...Você é um As-sa-ssi-no...Você...
Ele- Eu vou ter uma crise.
Ela- ( Tomada de Fúria) CRIME!!?!! Qual CRIME? Ele acabou de confessar!!! Venham ver o espetáculo!Alô espectador! O Inferno foi pago e vocês são os leões nessa arena do teatro!
Ele- Pára de representar!
Ela- Pára você de me censurar!
Vê se me entende... veja bem. Esse lugar. Estamos numa ILHA. (silêncio) Maldita ILHA da incomunicabilidade! Uma hora dessas Beckett já morreu afogado! ....
Ele- Me desculpa, conversa comigo...
Ela- Não ! Eu não desculpo você! Você pensa que é assim,se vingando, pisando nos meus sentimentos...Você em nenhum momento me estimulou a ser um pouco melhor. Não respondeu a nenhuma das minhas vontades.
Nem um beijo você me deu. Um beijo...
Eu ia dizer pra você que amo... Mas foi absurdamente mecânico o gesto. Era eu como nunca tinha me reparado. Sem o direito de exercer a minha liberdade do pensamento.
Ele- Beckett...Beckett…
Ela- (Se alivia numa grande expiração.)
Ele- Onde você vai?
Ela- Vou para o mar...
Ele- Não !Espere! Ele virá e dessa vez foi a lua que disse.
Ela- Cansei...
Ele- E eu?
Ela- Fica.
Ele- Você disse...
Ela- (cortando) Eu gosto de mudar de lado.
Fim
Huguera&Muca.Pesquisa e criação coletiva Muca Velasco e Huguera Rodrigues
Um comentário:
hum....
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